Durante três décadas, o paulista Rodolfo Vinícius Leite se sentiu distante de todo mundo: "Era como se eu fosse um alienígena na Terra." Embora levasse uma vida aparentemente normal, não conseguia acompanhar os interesses dos amigos. Aos 32 anos, foi diagnosticado com um transtorno de desenvolvimento pouco conhecido no Brasil, mas que afeta uma entre 500 pessoas: a síndrome de Asperger. Trata-se de um tipo de autismo considerado mais leve.
Entre suas características estão a dificuldade de socialização e o interesse restrito a poucos assuntos. Apesar da fala articulada, não compreendem bem figuras de linguagem, como ironias e metáforas, e têm problemas para interpretar os sentimentos dos outros. Mas, ao contrário de muitos autistas, não sofrem nenhum tipo de deficiência cognitiva e costumam ter habilidades surpreendentes, como excelente memória.
À medida que a síndrome se torna mais conhecida, começam a surgir no Brasil grupos de apoio e acompanhamento para portadores. A intenção é dividir experiências e mostrar que, com ajuda especializada, eles podem ser capazes de ter uma vida autônoma e bem-sucedida.
Com apenas seis meses de criação, um desses grupos se reúne às quartas- feiras, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. "Conversamos sobre nossas dificuldades e nosso dia a dia", conta Leite, um dos 20 participantes. Eles também compartilham experiências em um blog na internet. Para Leite, foi um passo importante para se compreender melhor. "Hoje eu respeito minhas limitações", diz. Graduado em letras, ele trabalhou oito anos como bancário, mas hoje está desempregado. "Tenho poucos assuntos de interesse. Só gosto de música, filmes, seriados de tevê, desenhos e carros", conta. "Não aprecio futebol e política, assuntos sobre os quais as pessoas geralmente conversam. Fico sem assunto."
Segundo o coordenador do projeto, o psiquiatra Estevão Vadasz, esse tipo de dificuldade causada pela síndrome pode fazer com que o indivíduo se isole socialmente - provocando ansiedade e até depressão. É isso que os encontros pretendem evitar. "Criamos uma espécie de clube social', diz Vadasz. Também em São Paulo, a Associação dos Amigos do Autista iniciou este mês uma série de reuniões para jovens com Asperger. "Queremos conhecer suas necessidades", diz a psicóloga Mariana Colla. Na internet, proliferam blogs e listas de discussão de portadores e familiares, além de comunidades dedicadas ao tema.
Nos Estados Unidos e na Europa, organizações de aspies - como se denominam os portadores - foram mais longe: lançaram um movimento argumentando que a condição não é um transtorno, mas um estilo de vida. A Aspies for Freedom combate tentativas de "normalizar" os indivíduos. No Brasil, a luta contra o preconceito está começando, mas especialistas tendem a seguir uma abordagem diferente: dizem que reconhecer a existência de uma desordem ajuda o indivíduo a sofrer menos. "Se não se adaptar, a tendência é que ele seja excluído", alerta o psiquiatra Fábio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro.
O diagnóstico da síndrome, causada por características genéticas que afetam o funcionamento do cérebro, é feito por entrevistas e testes linguísticos. O tratamento com remédios só é necessário em casos de depressão ou ansiedade. Especialistas recomendam o acompanhamento com a terapia comportamental, que ajuda o portador a decifrar os códigos sociais. Foi assim que o estudante carioca Vinícius Souza de Moura, 18 anos, diagnosticado na infância, deu a volta por cima depois de cair em depressão.
Apesar da memória incrível - sabe datas exatas de eventos casuais e históricos, como as dos títulos do seu time, o Botafogo -, ele sente dificuldade de relacionamento. "Na terapia, trabalho conflitos, aprendo a olhar nos olhos e ser mais delicado." Cursando o terceiro ano do ensino médio, ele pretende prestar vestibular para história. Seu esforço é acompanhado do apoio da família e dos amigos, fundamental para que qualquer pessoa, com ou sem a síndrome, sinta-se acolhida no mundo.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
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